Para onde está a olhar?

O viés de sobrevivência e o que ele revela sobre as tuas decisões em negócios e comunicação

Talvez Hitler tivesse pensado num plano B, se soubesse o que Wald ia descobrir mais tarde.

Filho de um padeiro e neto de um rabino, Abraham Wald estudou matemática em Viena, onde foi investigador. Com a ocupação alemã e um novo diretor nazi, emigrar tornou-se inevitável.

Em Nova Iorque integrou um grupo de pesquisa estatística secreto que contribuía para o esforço de guerra. A contribuição do grupo era feita em “equações”.

O problema

Naquele dia receberam um pedido dos militares. Precisavam blindar os aviões contra os caças do inimigo. Pensaram que uma equação matemática poderia encontrar o ponto certo.

Mostraram aviões regressados de missões, cobertos de furos de balas nalgumas zonas. A distribuição desses furos não era uniforme. Havia muitos furos nas asas e quase nenhum no motor. A lógica era então blindar mais a zona atingida, certo?

A blindagem torna os aviões pesados. Os aviões pesados são mais difíceis de pilotar e gastam mais combustível.

Blindar de mais é mau. Blindar de menos também é mau. Como podiam tomar a melhor decisão?

Peão num tabuleiro de xadrez com coroa de rainha

A solução

Wald discordou. O reforço para blindar o avião devia ser onde não havia furos.

“Onde estavam os furos de bala que faltavam? Estavam nos aviões que faltavam.” O motivo porque os aviões voltavam com poucos furos de balas no motor, era simples: os que tinham sido muito atingidos no motor simplesmente não voltavam.

E reforçaram a blindagem no motor. Como é que Wald viu o que os outros não viram?

Porque os outros partiram de um pressuposto: os aviões que voltavam eram uma amostra aleatória de todos os que cumpriam missões. Para um matemático o problema do furo de bala é visto como um fenómeno a que se chama “viés de sobrevivência” (uma visão distorcida na observação e análise dos factos identificados).

“Viés de sobrevivência”

Quando queremos desenvolver um projeto, uma marca, um serviço, é comum estudar-se o perfil que se está a atrair, o público que se conquistou, E estudar os que não ficam? Que informação nos pode dar?

Quantas ideias foram arrumadas porque não funcionaram logo? Que critérios usámos para concluir que não funcionaram?

É importante ver o que corre bem, focarmo-nos nos clientes que atraímos, nos projetos onde fomos bem-sucedidos. E é igualmente importante fazer as perguntas que nos ajudam a ver o nosso viés de sobrevivência.

Sempre que envio uma proposta peço uma resposta. Pode vir algum tempo depois, mas preciso saber se já decidiram e, se a opção foi outra, qual o principal motivo. 90% das vezes consigo. Todas as respostas me ajudam a situar e saber onde tenho que reforçar a blindagem. Isto exige organização, resiliência e muito foco. É fácil deixar esquecido no fundo de tudo.

Mesmo no passado, em processos de recrutamento pedi sempre feedback, para saber se a escolha foi financeira, experiência, formação ou outra. E o que recebi foi sempre útil para me situar e orientar a estratégia que tinha.

Poste de madeira com vários altifalantes, cada um virado numa direção diferente.

É comum olharmos para o que funcionou. Em fases como esta que vivemos é importante perceber se com outra “blindagem” outras coisas podiam ter funcionado.

O que é que conseguiu aprender com o que não funcionou? Está a focar-se nas pessoas certas? A estratégia está orientada para si ou para o público que procura? A si parece-lhe claro, mas para os outros a mensagem está igualmente fácil de entender?

Agora que muitas das coisas que “funcionavam” deixaram de “poder funcionar”, para onde está a olhar?

(Fotografias: Cameron Moll, Pixabay, Jens Mahnke)

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