Os computadores vão ser uma extensão dos seres humanos

A 4º Revolução Industrial vai acontecer quando “começarmos a falar com computadores como falamos com pessoas e os computadores começarem a tratar de partes da nossa vida por nós, como fazer as compras, arrumar a casa”. Mas não é só, diz o Professor Arlindo Oliveira, também “as emoções vão acabar por ser um desenvolvimento natural dos sistemas computacionais”.

No contexto da 4ª Revolução Industrial, a diversão, o ensino e o próprio trabalho serão completamente diferentes, diz o autor do livro Mentes Digitais: A Ciência Redefinindo a Humanidade. Uma realidade, afirma Arlindo Oliveira, para a qual as pequenas empresas estão mais bem preparadas do que as grandes e onde vai ser necessário fazer uma grande aposta na formação.

“As emoções vão acabar por ser um desenvolvimento natural dos sistemas computacionais e haverá sistemas com emoções”, diz Arlindo Oliveira.

O que têm os computadores, as células e os robôs em comum? Toda a complexidade que existe no mundo atual veio, durante milhões de anos, puramente dos sistemas biológicos e das células. O mundo que vemos agora tem cerca de 200 anos e seria completamente estranho para uma pessoa que tivesse vivido há 500 anos. Carros, televisões, aviões, telefones – há 500 anos as pessoas não poderiam conceber nenhuma destas coisas. Estamos habituados à realidade que foi criada com a revolução industrial – a 3ª Revolução Industrial, que nos trouxe computadores, informática, mudou os telemóveis, mudou a maneira como interagimos com o mundo. Andamos com o computador atrás, sempre ligados à internet. A 4ª Revolução Industrial, que será quando os computadores começarem a comportar-se de forma inteligente, provavelmente trará mais mudanças. É isto que se pretende dizer: no princípio foram as células, depois os cérebros e a seguir os computadores. Esta vai ser a próxima versão e uma extensão de seres humanos em alguns aspetos.

Como será essa 4ª Revolução Industrial? Acontecerá quando falarmos com computadores como falamos com pessoas e os computadores começarem a tratar de partes da nossa vida por nós, como fazer compras ou arrumar a casa. Quando aconteceu a revolução industrial e começámos a construir arranha-céus, linhas de caminhos-de-ferro, aeroportos e aviões, mudámos a natureza do planeta. Agora, com estas 3ª e 4ª revoluções industriais vamos fazer uma mudança ainda mais profunda.

Que exemplos vê da tecnologia a suportar a evolução da humanidade para o próximo estágio? Essa é uma questão mais a longo prazo. Este ambiente em que as pessoas estão constantemente interligadas através do telemóvel é algo que vai ser cada vez mais intenso, que vai afetar cada vez mais todas as áreas de atividade, desde o ensino à diversão, aos espetáculos, ao entretenimento. Todas essas áreas vão mudar muito. As tecnologias irão provavelmente evoluir embora não consigamos prever no que virão a ser.

Qual é o papel das emoções? São muito importantes na espécie humana. Não estão lá por acaso, mas porque se desenvolveram no processo evolutivo, criando uma série de ações e reações no ser humano. O medo, por exemplo, leva-nos a fugir das coisas perigosas, o amor leva-nos a reproduzir. As emoções evoluíram porque dão uma vantagem competitiva ao ser humano. Há quem diga que as emoções são a maneira mais avançada de inteligência porque são as mais difíceis de automatizar.

“Embora não esteja a antecipar que um destes «assistentes» possa acordar um dia maldisposto e responda mal, parece-me razoável que se gritarmos com ele possa ter uma reação de espanto.”

E podem existir nestes sistemas computacionais? Nós, neste momento, tendemos a não associar emoções aos sistemas computacionais. No entanto, já existem muitos sistemas que conseguem detetar as emoções das pessoas. É muito natural que, à medida que queremos melhorar o interface destes sistemas, eles próprios façam isso e possam ter reações e emoções básicas como “percebo que está cansado” ou “percebo que está aborrecido”. O segundo passo é empatizar com essas emoções. Embora não esteja a antecipar que um destes “assistentes” possa acordar um dia maldisposto e responda mal (acho que isso não é razoável), parece-me razoável que se gritarmos com ele possa ter uma reação de espanto, porque isso torna mais natural a interação. Seria estranho ter um sistema que para quase todos os efeitos é humano, mas depois não se aborrece, não se zanga, responde sempre no mesmo tom. As emoções acabarão por existir também nestes sistemas.

Como é que serão programadas? Estes sistemas já não são programados em detalhe. Em vez disso, aprendem com a interação. Acho que muitos deles vão acabar por ser treinados para exibir alguns conjuntos de emoções que facilitem a interação humana. Frequentemente, as emoções estão do lado da pessoa que percebe a emoção. Por exemplo: os animais não falam, não sabemos o que pensam, mas é muito fácil atribuir-lhes emoções (zangado, com fome). Há uma série de experiências em que robôs foram treinados para se relacionarem com as pessoas da mesma forma que os animais o fazem. Assim, as pessoas acabam por atribuir emoções aos robôs e empatizar com eles. Acredito que vamos ter sistemas com emoções, provavelmente mais controladas e menos oscilantes que os seres humanos.

Seremos parceiros ou rivais dos sistemas computacionais? Espero que sejamos parceiros. Não faz sentido sermos rivais. Se chegarmos a essa situação quer dizer que fizemos alguma coisa errada. Mas não é impossível que ao projetarmos os sistemas lhes coloquemos objetivos que estão em conflito com os nossos próprios objetivos. Por exemplo, podemos pedir a um sistema que evite o aquecimento global, mas a melhor maneira de o evitar é andarmos a pé e, aí, pode haver conflito de objetivos. Espero que, quando se projetarem sistemas muito complexos, fique garantido que os interesses da humanidade são sempre os primeiros.

Que exemplos vê desse alinhamento de objetivos? Por exemplo, nos carros autónomos deve colocar-se sempre como máxima prioridade a salvaguarda das vidas humanas, embora às vezes seja necessário fazer opções. Aí temos de garantir que há alinhamento. Imagine-se um carro de 100 mil euros, programado para evitar destruir-se. Num dado momento pode ter que tomar a opção entre destruir-se e cair por uma ravina, ou atropelar uma pessoa. Essas decisões têm de ser tomadas. Estes problemas também existem quando somos condutores, só que nós não temos normalmente tempo e as reações são instintivas. Os computadores, como são muito mais rápidos, vão quase sempre ter possibilidade de decidir e conseguem fazer a escolha de atropelar ou não uma pessoa. Temos de garantir que as decisões que são tomadas pelo computador estão alinhadas com os interesses e os valores humanos.

(excerto de entrevista publicada na revista Tecnologia & Qualidade 5, em janeiro 2018) Entrevista completa disponível em https://www.isq.pt/os-computadores-vao-extensao-dos-seres-humanos

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